Andreia Garcia
Mais de metade da população mundial vive hoje em áreas urbanas e em 2050 esse número terá aumentado para 6,5 biliões de pessoas – o correspondente a dois terços da humanidade. Com a globalização as áreas rurais tornaram-se periferias das cidades e verificamos agora que, com o envelhecimento da população, o legado dos saberes ancestrais encontra-se em perigo.
O imaginário dominante que resulta da poluição atmosférica, das alterações climáticas ou da pandemia COVID-19, imagina e concebe um mundo em que a natureza deve ser protegida da ação humana. No entanto, a condição humana não pode ser separada da natureza porque é uma parte intrínseca do mesmo metabolismo sócio-ecológico. Precisamos de imaginários que instiguem todas as gerações a pensar um planeta hoje mais habitável.
A Bienal Art(e)facts nasce da ideia de criar colaborações entre artistas, arquitetos e designers, portugueses e estrangeiros, com artesãos da região da Beira Interior. O projeto tem o intuito de cuidar a memória imaterial do território e para isso propõe repensar diálogos para a construção de um património contemporâneo de obras artísticas com enfoque na valorização da região e na reinterpretação dos saberes tradicionais.
O projeto integra o programa da Candidatura da Guarda a Região Capital Europeia da Cultura 2027 e concretiza-se numa Bienal de Conhecimento, profundamente enraizada no território e que pretende implantar uma constelação de práticas com impactos a longo prazo.
A edição inaugural de Art(e)facts introduz o tema Supernatural Togetherness (União Sobrenatural) e propõe alianças entre seres humanos, gerações, espécies e saberes para salvar o futuro.
Em curso até setembro, o programa envolveu uma convocatória internacional para projetos que resultaram, durante o mês de maio, na realização de residências artísticas em oficinas de artesãos locais. Esta exposição coletiva, localiza-se simultaneamente em seis pontos distintos da região — Alcongosta, Janeiro de Cima, Telhado, Famalicão da Serra, Gonçalo e Fundão —, enquanto o espelho de vários diálogos e dos cenários que os acolheram, pelo que o convite à sua visita sugere que se atente aos lugares que detém a memória e à experiência da imersão e da permanência.
Poderão a Arte e a Arquitetura resgatar um legado em perigo e um futuro incerto para os reescrever de um ponto de vista pós-humano?
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Andreia Garcia
Alberto Carvalhinho, Andrea Canepa, António Nunes dos Santos, Cátia Pires,
Colectivo Warehouse, Edgar Graça, Diogo Rodrigues, Fernanda Fragateiro, Fernando Pimenta, Irene Venâncio, João Milheiro, João Oliveira, Joaquim Venâncio, Lurdes Nunes dos Santos, Nuno Alves, Nuno Vicente, Rosa Pereira, Sérgio Forte, Sónia Latado, Studio Lapatsch|Unger e Vanessa Foster
Câmara Municipal do Fundão — Paulo Fernandes, Presidente; Câmara Municipal da Guarda — Carlos Chaves Monteiro, Presidente; e Guarda 2027 — Pedro Gadanho, Diretor Executivo
Miguel Rainha
Fernanda Craveiro e Telma Marques
Architectural Affairs — Carlos Pastor Garcia
Architectural Affairs — Rita Amado
Sílvia Escórcio, CUCO Curating Communication
And Atelier — João Araújo & Rita Huet
Pedro Santasmarinas e Vasco Mendes
Pedro Santasmarinas, Valentina Vagena e Vasco Mendes
Andreia Garcia, Pedro Gadanho, Miguel Rainha, Miguel von Hafe Pérez
e Carlos Fernandes
Ana Luís Bogalheiro e Vítor dos Santos Amaral
Famalicão da Serra (Guarda)
Cestaria de castanho
Gonçalo (Guarda)
Cestaria de Vime
Telhado (Fundão)
Olaria
Fundão
Fabricação digital
Alcongosta (Fundão)
Cestaria de castanho
Janeiro de Cima (Fundão)
Tecelagem
CESTARIA DE CASTANHO
O projeto ‘As Cestas’ (The Baskets) é o resultado de um processo de design colaborativo não-verbal com o casal de artesãos de cestaria de castanho, Joaquim e Irene Venâncio de Famalicão da Serra. Uma experiência que deu origem a uma nova tipologia e a um objeto em aberto que amplifica o carácter da sua construção — o cerne do ofício em si. O objeto, aparentemente simples, ilustra o conhecimento e a experiência adquiridas ao longo de uma vida e que ainda requerem a mão humana. Atualmente, os artesãos de cestaria são verdadeiros conservadores. Dão continuidade a um ofício humilde e cíclico, que é praticado há milénios para fabricar objetos funcionais e adaptados a todos os aspectos do dia-a-dia. O projeto é impulsionado por essas conotações da prática; que representam a complexa relação entre o natural e o que é produzido por ação humana, respeitando o ciclo natural da floresta. Desde os tempos mais remotos, as florestas mediterrâneas têm sido um habitat para a atividade humana; o terreno da destruição e da tentativa de ressurreição; de ritual e tradição; de crescimento e decadência; da história e do futuro.
OFICINA JOAQUIM & IRENE VENÂNCIO
Rua de Santo António 21, 6300–100 Famalicão
40.444706º, -7.378886º
Horário de visita: de acordo com o funcionamento da oficina ou bata à porta da casa dos artesãos.
CESTARIA DE VIME
Partindo da relação entre escultura, arquitetura e texto, usei o vime e as técnicas artesanais da cestaria para construir esculturas que parecem ser desenhos tecidos no espaço. No trabalho com o artesão Alberto Carvalhinho o desafio foi a mudança de escala: passar da escala doméstica do objeto de cestaria para a escala do espaço arquitetónico, como forma de potenciar as características do vime enquanto material natural, flexível, delicado e forte, com grande potencial de uso na escultura e na arquitetura. Ao longo da residência foram criadas longas e estreitas esculturas em vime inteiro entrelaçado e ainda várias esteiras tecidas em vime rachado, que exploram a ideia de espaço inacabado e sem fim. As peças suspendem-se no teto, atravessam as salas, ou integram-se em vãos, numa permanente tensão com o espaço arquitetónico. Nesta bela casa senhorial, feita de granito e há muito desocupada, encontrámos um lugar simbólico para mostrar estes trabalhos e refletir sobre a urgência de cuidar e recuperar o que é precioso e se encontra em risco de desaparecer.
SOLAR ‘A CASA GRANDE’
Rua Primeiro de Maio 2–8, 6300–115 Gonçalo
40.419127º, -7.346011º
Horário de visita: segunda a domingo, 9h — 17h
OLARIA
De acordo com a revista científica Plos One, 75% das espécies de insetos europeus desapareceram nos últimos 30 anos, incluindo agentes polinizadores como as abelhas e as borboletas. As consequências são graves e urge pensar soluções que permitam minimizar esta perda massiva. É fundamental desenvolver novas formas de estar entre humanos, não humanos e seres não vivos. É urgente aprender novas formas de aproximação ao território e aproximações que favoreçam o mutualismo, a atenção às microescalas e que possibilitem o equilíbrio dos ecossistemas. O projeto baseia-se numa conceção sistémica do meio e explora espaços interpretados como secundários — os espaços que Gilles Clément denomina de ‘Terceira Paisagem’ –, territórios que escapam ao controlo humano e que globalmente representam os últimos redutos para espécies que não se adaptam à vida humana. Com recurso a preceitos técnicos, o projeto pretende prestar um auxílio discreto à vida que se encontra em expansão livre: uma forma de arte que poderia ser designada de Transpública, porque se estende para além de uma atenção cultural exclusivamente humana.
CASA DO BARRO
Rua 11 de Abril 27, 6230–772 Telhado
40.161766º, -7.558113º
T. 275 779 040
Horário de visita: terça a sexta, 9h — 13h & 14h — 17h30
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CASAL DE SANTA MARIA (Cidade fantasma)
Rua do Cimo, 6230–772 Telhado
40.1464413º, -7.577003º
Instalação no espaço exterior
FABRICAÇÃO DIGITAL
Nos armazéns da Câmara do Fundão, entre frigoríficos e carros abandonados, resgatámos um objeto esquecido, mas que foi prontamente reconhecido pelos fundanenses como o antigo carrossel ‘da escola de Alcaide’. Este carrossel é lixo, é um objeto obsoleto. Simultaneamente, é um testemunho de uma memória coletiva — um manufacto artesanal, um pivô analógico –, que deixou de cumprir a sua função por inadequação aos parâmetros que atualmente são exigidos para a sua categoria de objetos. Procurámos refletir sobre como garantir a sobrevivência do carrossel e fizemo-lo estabelecendo um diálogo entre o antigo e o novo, entre o analógico e o digital. O nosso precioso dispositivo foi a fabricação digital, porém, o nosso processo foi inevitavelmente analógico. O projeto pede interação e ação humana para ativar o seu mecanismo, é também acompanhado por um Código QR com um ficheiro digital que pode ser cortado em qualquer Fab Lab e montado por quem desejar devolver ao carrossel a sua função original.
Praça do Município, 6230–338 Fundão
40.137866º, -7.500733º
Instalação no espaço público
CESTARIA DE CASTANHO
Em homenagem ao povo de Alcongosta, ao seu lavor e génio artesão, apresenta-se a matéria-prima da cestaria — o castanho — aplicada numa instalação e em vários protótipos. A instalação mostra o castanho, ora na forma de varas refogadas, ora transformado em cestas e cestos que, graças à sua composição cromática e disposição formal, exploram o desenho da luz num exercício de reinterpretação e ressignificação objetual. Visto de fora, o conjunto que forma a instalação procura corresponder à escala do edificado, ocupando e dotando o espaço público de Alcongosta de um novo elemento, criado a partir de uma matéria-prima que é familiar à sua comunidade. Paralelamente, nas prototipagens, cruza-se a técnica e o saber tradicionais com a fabricação digital e técnicas industriais para a produção de objetos do quotidiano. A mutação e adaptação das técnicas da cestaria a novos objetos surgem associadas à necessidade de valorizar esta arte e, ao mesmo tempo, ensaiam uma aproximação da artesania à contemporaneidade.
Rua da Igreja, 6230–040 Alcongosta
40.117230º,-7.482429º
Instalação no espaço público
TECELAGEM
‘Tecer um roteiro’ (To weave a script) nasce do cruzamento entre arte e ciência. O ponto de partida do projeto foi o desejo de encontrar uma forma de codificar e incorporar um processo computacional à construção material de um objeto, de modo a que as instruções de um processo permitissem construir a estrutura tangível que dá forma ao referido objeto. Convertemos algoritmos que programam o conhecimento das máquinas — neste caso, algoritmos criados para prever o preço do algodão –, em polinómios multivariados. Posteriormente, usando um método inspirado pela matemática e tecelã Ada Dietz (1949), esses polinómios foram traduzidos em padrões de tecelagem. Os padrões foram então tecidos com fios de algodão, em colaboração com as artesãs da Casa das Tecedeiras. As peças resultantes procuram unir a informação abstrata e o seu processamento ao mundo material que a sustenta.
CASA DAS TECEDEIRAS
Rua do Paraíso 16, 6185–125 Janeiro de Cima
40.066192º, -7.799986º
T. 934 103 813
Horário de visita: segunda a sexta, 13h30 — 16h30
Pedro Gadanho
INLAND Campo Adentro
Colectivo Warehouse
NIDA Art Colony
Nuno Vicente
José María Torres Nadal
Animali Domestici
Lapatsch|Unger
Rodrigues, Pimenta & Oliveira
Nancy Diniz
Emma Conley
Andreia Garcia
Amanda Masha Caminals
Marina Otero Verzier
Mestre em Artes Visuais e Multimédia, Andrea é licenciada em Artes Plásticas pela Universidad Politécnica de Valencia. Vencendora do prémio ARCO Comunidad de Madrid Award for Young Artists (2014), Madrid; do prémio Best International Artist Award ARCO 2020, Associação Espanhola de Críticos de Arte, Madrid e foi vencedora de uma bolsa de investigação (2020) pelo Senate Departament for Culture and Europe, Berlim.
www.andreacanepa.com
Mestre em Matemática pela University of Toronto e licenciada em Matemática pela McMaster University. O seu trabalho tem se inserido na cena berlinense das start-ups nos últimos 8 anos em data science e big data analytics. Vanessa tem trabalhado na combinação de pensamento teórico e big data para a criação de percepções accionáveis para as empresas. Actualmente trabalha na LiquidM Technology GmbH como Senior Data Scientist, em Berlim.
O Colectivo Warehouse desenvolve projectos de arquitectura participativa de âmbito cultural e social. O desenho e a construção de processos participativos conduzem a resultados com maior impacto no panorama urbano emergente. Os projectos do Warehouse procuram contribuir para a construção colectiva e responsável do espaço público e privado e fundamenta a sua praxis arquitectónica através do desenho, experimentação, processos de mediação, participação cívica, colaboração e intervenção prática.
Entendem o papel do arquitecto como um mediador, consciente do impacto que as iniciativas de activação do espaço urbano e as intervenções sociais têm junto das comunidades que habitam a cidade.
O factor diferenciador do colectivo é a capacidade de desenhar e construir os seus próprios projectos. A abordagem Hands-on é transversal à sua prática, sendo uma grande parte da sua identidade.
Estudante finalista no mestrado em Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Director da Revista Dédalo, desde 2018. Membro fundador da Associação Ambientalista Movimento Gaio desde 2018. Fundador da Associação Cultural Ponto Parágrafo desde 2019.
Mestre em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Investigador do i2ADS. Director da revista Dédalo em 2017 e membro da equipa editorial em 2018. Membro-fundador da Associação Ponto Parágrafo desde 2019.
Estudante finalista no mestrado em Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto com dissertação sobre a reativação do Bairro Social da Arrábida. Faz parte da Equipa Editorial da Revista Dédalo da AEFAUP. Em 2019 realiza o trabalho de curadoria do CinePonto, cuja temática incidia sobre as problemáticas do direito à cidade e gentrificação.
Fernanda Fragateiro vive e trabalha em Lisboa. Operando no campo da tridimensionalidade, desafiando relações de tensão entre a arquitectura e a escultura, a obra de Fernanda Fragateiro potencia relações com o lugar, convocando o espectador para uma posição de performatividade. Alguns dos seus projectos resultaram de colaborações com outros artistas plásticos, arquitectos, arquitectos paisagistas e performers.
A sua obra tem sido exposta em diferentes museus e instituições nacionais e internacionais como a Galleria Nazionale d’Arte Moderna Contemporanea de Roma, o Museu Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso, o Museu de Arte Miguel Urrutia (Bogotá), Museu de Arquitetura, Arte e Tecnologia (Lisboa), CaixaForum (Barcelona), Palais des Beaux-Arts de Paris, Carpenter Center for the Visual Arts, Harvard University (Cambridge), The Bronx Museum of the Arts (New York), MUAC Museo Universitario Arte Contemporáneo (Mexico City), o Centro Cultural de Belém, a Fundação de Serralves (Porto), entre outros.
Mestre em Artes Plásticas pela Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha (ESAD.CR) e em Investigación en Arte y Creación pela Faculdad de Bellas Artes de la Universidad Complutense de Madrid (ESP). Nomeado para o prémio Millennium Anteciparte (2007) e seleccionado para a exposição “Exposição 90-10, 20 Anos de Artes Plásticas” (2011). O seu trabalho foi exposto, mais recentemente, individualmente nas exposições “Estudos para o Jardim Botânico e uma peça para o rio Zêzere” (2019), Museu Ecológico de Belmonte e em “The amateur ornithologist” (2020), Centre d’Art Terres Del Ebre e Eufònics, Matadero de Amposta.
Actualmente, vive e trabalha entre Madrid e Alicante, onde se encontra a desenvolver um borboletário em expansão livre para o jardim do Centro de Artes Las Cigarreras.
Dupla de designers sedeada em Berlim com um trabalho baseado na investigação relacionada com as práticas da antropologia e arqueologia, explorando a cultura material e os fenómenos culturais para revelar informações e camadas de conhecimento escondidas entre o passado, o presente e o futuro.
Na sua prática desenvolvem formatos, conferências, curadoria, concebem e realizam workshops de design experimental para várias instituições internacionais no campo cultural.
Os seus trabalhos têm sido expostos em "“CRITICAL ZONES. Observatories for Earthly Politics” (2020), ZKM Karlshruhe; “unsown” (2019), Klein Humboldt Galerie, Berlim; “Kohle, Koks and Pech” (2019), Gewerbemuseum Winterthur, Suiça, entre outros. Foram vencedoras do Talente Prize 2018, Munique.